O Divino, final de 2020:
São Luiz do Paraitinga é um lugar ímpar, onze mil habitantes e de uma cultura popular admirável. Eis que é anunciada a pandemia, um tal de vírus-corona pode nos matar. Ao observar o movimento da cidade, mais pensei que era chegada a festa do Divino Espírito Santo. As bandeiras de fé, todas penduradas nas janelas ou portas das casas. Assim como que escudo protetor.
– O Divino há de impedir o vírus de entrar aqui na nossa cidade! – diziam os devotos moradores.
O tempo passou, o vírus entrou…
Mas continua bonito de olhar as bandeiras ainda postas, dez meses depois. São vermelhas, com uma pomba branca ao centro e fitas coloridas amarradas nos mastros, com a significância de pedidos feitos. Cada fitinha uma história.
Ah, e as pessoas? Afirmam, com precisão, que o Divino abençoa e cura. Eu que não vou questionar, basta-me sorrir, ouvir, respeitar e apreciar.
Criança
A criança passou quase dois anos, dos seus três vividos, dentro de casa.
Ao ouvir uma narradora de histórias, que insistia em criar sonhos, esta miúda foi urgente, atentem-se:
– Vamos viajar com a nossa imaginação e voar por entre as montanhas? – perguntou a narradora, com certa empolgação.
– Não! Não pode sair, só para ir ao mercado e bem rápido. Nem a imaginação pode sair, sabe por que? Nada que a gente faz com ela pode ser rápido. – respondeu a criança, formando um bico considerável nos lábios.
O cotovelo
Já acostumado a nunca ser lembrado, o cotovelo achou estranho tanto movimento de uma hora para outra. Perguntou-se o que estaria a acontecer?
Foi então que descobriu uma tal proibição em usar as mãos e os entrelaçados dos braços.
Sabia o desagrado das partes outras dos corpos, mas ele, ah, o cotovelo estava em êxtase.
Sentiu o prazer de tocar e tocar e tocar. O mundo podia, enfim, acabar.
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